A sabedoria genuína manifesta-se na harmonia entre as instituições que servem ao bem comum, e é nesse espírito que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Santa Catarina (SAMU SC) opera em consonância com os profissionais responsáveis pela segurança pública. Conforme estabelecido no Artigo 11 da Deliberação 177/CIB/2021, o SAMU SC conta com o apoio inestimável de policiais militares, rodoviários e outros agentes de segurança. Esses valorosos profissionais, regulados e orientados pelas Centrais Públicas de Regulação Médica das Urgências, desempenham um papel crucial na identificação de situações de risco, na proteção das vítimas e dos profissionais de saúde, e no resgate de indivíduos em locais de difícil acesso. Além disso, estão habilitados a realizar suporte básico de vida com ações não invasivas, sob supervisão médica direta ou à distância, quando a situação impede o acesso imediato da equipe de saúde, sempre em conformidade com os padrões de capacitação e atuação previstos.
Independentemente das disposições regulamentares, é evidente, pela lógica equânime da interpretação jurídica, que sem o apoio efetivo dos profissionais de segurança pública, o SAMU enfrentaria enormes desafios para cumprir integralmente sua missão e deveres. A sinergia entre essas instituições é essencial para a eficácia no atendimento emergencial, pois a segurança proporciona o ambiente necessário para que os profissionais de saúde atuem com prontidão e segurança.
Há, inegavelmente, uma cumplicidade virtuosa entre o SAMU e os agentes de segurança. Em Santa Catarina, essa relação é exemplificada pela recepção de médicos e enfermeiros do SAMU em aeronaves operadas pelas forças de segurança, facilitando o cumprimento dos objetivos do serviço de urgência. Tal cooperação não só agiliza o atendimento como também promove um intercâmbio de conhecimentos, permitindo que as autoridades de segurança compreendam profundamente os procedimentos médicos aplicados aos assistidos sob seus cuidados.
Negar a um policial militar, convocado pelo SAMU para assumir a custódia de um corpo após a constatação da ausência de sinais vitais, a entrega da segunda via da ficha de atendimento, sob o argumento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), revela uma falta de empatia e respeito pela autoridade que assume essa responsabilidade. Esse policial, cujo nome foi devidamente registrado na ficha de atendimento do SAMU, merece acesso às informações pertinentes para o cumprimento de suas funções legais e éticas.
Se a ficha de atendimento é preenchida em duas vias e a segunda via é entregue à unidade de saúde de destino quando o paciente está vivo, é coerente e evidente que, no caso de óbito, essa via deva ser entregue à autoridade de segurança que assume a responsabilidade pelo corpo. Essa prática assegura a continuidade dos cuidados e das investigações necessárias, honrando o dever profissional e a dignidade humana.
Em nenhuma circunstância o médico estaria violando o Código de Ética Médica ao proceder dessa maneira. O Artigo 89 estabelece que é vedado liberar cópias do prontuário sob sua guarda, exceto para atender ordem judicial, para sua própria defesa ou quando autorizado por escrito pelo paciente. Entretanto, o parágrafo 2º do Artigo 87 determina que o prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente. Portanto, a entrega da segunda via à autoridade competente não infringe tais preceitos, mas, ao contrário, alinha-se com o espírito ético de colaboração interinstitucional.
O médico do SAMU permanece com a primeira via da ficha de atendimento, enquanto a segunda via é destinada à instituição que agora assiste o paciente falecido. Essas instituições podem ser os Bombeiros, a Polícia Militar, a Polícia Rodoviária Estadual ou Federal, ou o Instituto Médico Legal (IML). Felizmente, essas entidades estão interligadas com o SAMU desde tempos imemoriais, permitindo que cada uma cumpra suas funções com eficácia. Sem essa colaboração, o alcance do SAMU estaria significativamente limitado.
Negar a entrega da segunda via da ficha de atendimento quando solicitada pela autoridade responsável pode acarretar consequências legais indesejáveis para o médico. As autoridades de segurança têm pleno direito de realizar interpretações e investigações convergentes com suas funções legitimadas. A obstrução desse processo não apenas compromete a justiça, mas também rompe a confiança entre as instituições que devem trabalhar em uníssono.
Adotar um procedimento que impede a autoridade de segurança de acessar informações vitais sobre o ocorrido até aquele momento é ir contra o bom senso e a prática adotada por colegas em estados vizinhos, que compreendem a importância dessa colaboração. É desconsiderar a legitimidade das dúvidas que fazem parte intrínseca da arte de investigar e assegurar a justiça. Tal postura pode gerar uma crise institucional desnecessária, prejudicando toda a população de um estado que carece do aprimoramento contínuo das ações do SAMU, não de sua inação. Aqueles que não possuem a sensibilidade para gerir assuntos de tamanha seriedade devem abster-se de causar prejuízos. Devem, em vez disso, adotar o princípio maior de Hipócrates, cuja visão permanece relevante mesmo após aproximadamente 2.485 anos.
O princípio hipocrático nos ensina: “Primum non nocere” – “Primeiro, não causar dano”. Este axioma fundamental da medicina orienta os profissionais a agir sempre em benefício do paciente e da sociedade, evitando ações que possam prejudicar ou obstruir o bem maior.
Para a resolução deste impasse, é necessária uma abordagem refinada, alicerçada na lógica social e na coerência jurídica. Recomenda-se que, diante das entidades envolvidas, sejam consultados o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal. Esses órgãos possuem a competência e a imparcialidade necessárias para orientar uma solução que respeite os direitos e deveres de todos os envolvidos, garantindo que a justiça e a sabedoria prevaleçam em prol do bem-estar coletivo.
Que essa reflexão sirva como um chamado à união e ao entendimento mútuo, fortalecendo os laços entre as instituições que têm como objetivo comum servir à vida e à dignidade humana. Que cada ação seja guiada pela empatia, pelo respeito e pela sabedoria que engrandecem as grandes almas, iluminando o caminho para um futuro mais justo e harmonioso.
Toneza Cascaes Netto
Advogado – Jurista e Sociólogo
OAB/SC 10.743